quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

COMUNIDADE ARTICULADA DO QUARTO AZUL CELESTE



Um homem ensinou para seus bonecos articulados como é legal que todos vivam em paz e em liberdade. E então, sumiu por um tempo, prometendo voltar em breve.

Falcon do G. I. Joe, valentão, assumiu a liderança. Falou que precisariam de alguém com pulso firme para levar adiante as palavras do dono. E, de preferência, que usasse uma barba cerrada, pois barbas cerradas impõem respeito. Começou a transformar sugestões em regras, as regras em rituais, e de repente, todos que não praticassem a paz da forma que ele achava correta eram acusados de insubordinação, e eram afastados da comunidade articulada do quarto azul celeste.

Spider Man achou um absurdo. Ele gostava de se pendurar em maquetes de arranha-céus, beijar sua Mary Jane Watson articulada em noites de chuva de ponta cabeça, e Falcon dizia que isso ía totalmente contra os padrões de paz. Quem dirá então jogar teia de aranha no rosto dos bandidos da cidade de blocos montáveis! Definitivamnte era contra essa idéia maluca, e então se uniu com todos aqueles bonecos Playmobil indies com cabelo de tigela e calças coloridas, e tentou seguir as palavras do dono de sua própria forma. Eles tocavam numa banda de rock, e Falcon dizia que isso era coisa de pouca paz, provavelmente idéia provinda da cabeça do Spawn, aquele demônio com simbionte e fedendo a enxofre.

O Spawn achava graça, na verdade. Ficava lá sentado em seu trono, sem mover um dedo sequer.

Ken, aquele esposo da Barbie, mauricinho, com sua blusa de trico amarrada num nó em volta do pescoço, também não gostava do método de Falcon. Chamou todos ao redor de seu carro de plástico cópia exata – mas nem tanto – de um Porsche, e falou em alta voz, para que todos ouvissem: “O dono não nos quer tristes, isso é verdade! Liberdade é prazer! Portanto, consigamos tudo o que quisermos, e se possível, me dê parte disso também, porque tenho certeza que como sou do dono um dos brinquedos favoritos, vocês serão recompensados pela generosidade!”. Dessa forma, comprou para sua eterna namorada-esposa-ex-esposa-grávida Barbie um salão de cabelereiros, milhares de roupas, um rabo de sereia que brilha quando molhado em água fria, chapinha pra fazer frizo no cabelo, uma mansão, cachorrinho e até mais um filho, de plástico.

Spider Man achava isso desprezível. Talvez porque via que aquelas cópias chinesas de super-heróis da TV, produtos de categoria inferior, o invejavam e doavam até o que não tinham para que fossem parecidos com Ken, dirigindo um Porsche e namorando uma verdadeira boneca. Mais provavelmente, odiava porque também invejava, mas nem reparava nesse detalhe.

Enquanto isso, um dos bonecos playmobil tivera o que julgara ser uma revelação de que deveriam tocar de costas para quem ouvisse, porque como gostavam de agradar seu dono, não deveriam agradar a mais ninguém. Os outros não entenderam muita lógica nessa colocação, e continuaram tocando seu rock, que de birra ficara ainda mais pesado. Começaram a beber, falar palavrões e odiar Boça Nova para mostrar o quanto eram diferentes de seu parente-próximo maluco.

Foi quando se levantou no meio de todos o boneco Gandalf, o cinzento, erguendo bem alto o bastão e gritando: “A única forma de nosso dono voltar é que estejamos unidos!”. E tentou mostrar para todos que agindo assim, contribuiriam para a paz. E para a liberdade. Frodo achou aquilo uma bobagem, e foi discutir com Sam novas maneiras de assar batatas.

Todos os outros, no entanto, compraram a idéia. Cada um pensava que entendia a forma perfeita de procurar a paz, e dessa forma, obrigava quem estava próximo a seguir o que faziam. O próximo em questão, além de não ceder, procurava provar que estava certo de sua maneira. Seguiu-se disso uma paz forçada, onde se via Super Man apertando a mão e dando sorrisos amarelos para Naruto, Max Steel tolerando as conversas de Mu de Áries (que ele considerava uma criatura extremamente afetada) e até mesmo o Senhor Cabeça de Batata tentava compreender toda aquela complexidade de Garage Kit de L Lawliet.

A história torna-se dramática a partir desse ponto, mas vou resumí-la: Vendo a bagunça que seus bonecos faziam com o que compreendiam ser “paz” e “liberdade”, o dono resolveu voltar e colocar tudo em seu lugar. Desinstitucionalizou as coisas que Falcon tinha administrado com tanto rigor e burocracia; falou para a banda que a música era música, e para ser música basta ser tocada, se gostarem de rock n’ roll ou boça nova, quiserem tocar de frente ou de costas, isso era questão de opinião delas, e ele não tinha nada a ver com isso; puxou a orelha do invejoso Peter Park, apesar de dar mó força com seu namoro de ponta-cabeça na chuva; provou para todos que o carro, o penteado, a namorada, o cachorro, a cômoda, a mansão, a piscina, a cama redonda e até o bebê de Ken eram de plástico; e por fim, riu por muito tempo e em alto som sobre aquela idéia ridícula de Gandalf de “união entre brinquedos”.

“Tal coisa não existe”. Disse. “Para que todos pensem igual, é mais fácil só sobrar um, quebrando todos os outros. A paz e a liberdade não são coisas que se institucionalizem, que se discutam, que se estruturem, ou que se prendam. Por quê, ao invés de tentarem provar que suas idéias estavam certas, vocês não procuraram viver juntos, simplesmente assim?”

Então pegou uma folha de aluminio e foi assar batatas junto com Frodo e Sam, frustrando meio batalhão de anjos articulados que estavam prestes a cantar coisas sobre santidade.

Postagem do site Solomon1

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